domingo, 28 de novembro de 2010

Mercado de trabalho para as mulheres na China.

No O Estado de S. Paulo: "Para as chinesas, o progresso traz riscos"

Publicada em 27/11/2010 pelo O Estado de S. Paulo. DIDI KIRSTEN TATLOW - O Estado de S.Paulo

"Empregadores preferem não contratar mulheres por considerar que elas acarretam custos adicionais quando se tornam mães

A pergunta que frustrava as expectativas de emprego de Angel Feng sempre vinha por último.

Fluente em chinês, inglês, francês e japonês, a jovem de 26 anos graduada em administração de empresas na França fez entrevistas entre janeiro e abril em meia dúzia de companhias em Pequim em busca de seu primeiro emprego no setor privado, onde os salários são mais altos.

"O chefe faria várias perguntas sobre minhas qualificações e aí diria: ´Vejo que você é recém-casada. Quando terá um bebê?` Era sempre a última pergunta. Eu diria não por cinco anos, ao menos, mas eles não acreditavam em mim", disse Feng.

Três décadas depois de a China ter enveredado pelo caminho de reformas econômicas marcantes, muita coisa mudou para as mulheres.

Diferentemente de suas mães, cujas vidas profissionais - e, com frequência, privadas - eram determinadas pelo Estado, as mulheres de hoje podem, em geral, escolher seus caminhos. As mulheres do campo não ficam mais amarradas às comunas; as mulheres urbanas já não têm trabalhos vitalícios nem precisam de permissão das unidades de trabalho para se casar, embora todas as mulheres possam pedir permissão para ter um filho.

Mas, junto com a liberdade veio o risco, pois as estruturas da era socialista estão desmanteladas e as poderosas tradições culturais que privilegiam os homens às mulheres, por muito tempo mantidas em suspenso pelo apoio comunista oficial aos direitos das mulheres, voltam com força. Muitos empregadores estão preferindo não contratar mulheres numa economia em que há uma superoferta de mão de obra e as mulheres são percebidas como causadoras de custos adicionais na forma de licença-maternidade e custos de parto. A lei estipula que os empregadores devem ajudar a cobrir esses custos, e as feministas estão buscando um sistema de seguro de parto sustentado pelo Estado para diminuir a discriminação.

O resultado é que mesmo candidatas altamente qualificadas como Feng têm dificuldade de encontrar emprego. Preocupações práticas sobre como lidar num mundo altamente competitivo estão alimentando uma poderosa crise de identidade entre as mulheres chinesas.

"O principal problema que enfrentamos é a confusão sobre quem nós somos e o que deveríamos ser", disse Qin Liwen, uma colunista de revista. "Devo ser uma ´mulher forte`, ganhar dinheiro e ter uma carreira, talvez ficar rica, mas me arriscando a não encontrar marido ou ter um filho? Ou devo me casar e ser uma dona de casa, apoiar meu marido e educar meu filho? Ou devo ser uma ´raposa` - o tipo de mulher que se casa com um homem rico, dirige um BMW, mas tem de se conformar com as concubinas dele?" Feng encontrou emprego numa companhia que promovia marcas chinesas.

"Era de fato um lugar ruim", disse ela. Empregados eram demitidos imediatamente depois de medidas promocionais para reduzir custos. A jornada de trabalho era longa. Uma colega que sofreu um aborto espontâneo foi ordenada a voltar ao trabalho três dias depois. O salário mensal de Feng era 5.000 yuan, ou cerca de US$ 745, sem benefícios.

Em julho, ela trocou o emprego pela segurança de uma organização "semi-estatal" gerida pelo Ministério da Educação.

O salário era mais baixo, cerca de US$ 625 mensais, mas o almoço na cantina do ministério era gratuito, e ela goza de benefícios que remontam aos tempos socialistas, incluindo o aluguel de moradia. O horário é fixo, das 8h30 às 17h, cinco dias por semana. Mais importante, seu empregador, a Associação de Educação da China para o Intercâmbio Internacional, não faz objeção às funcionárias terem bebês e concede uma licença-maternidade de pelo menos 90 dias com salário integral.

O emprego pode ser "um pouco chato", mas ela, como outras, fez sua escolha.

"O setor estatal é bastante popular junto às mulheres porque seus direitos são melhor protegidos ali", disse Feng Yuan, chefe do Centro para Estudos das Mulheres da Universidade de Shantou.

Guo Jianmei, diretora do Centro de Serviços e Aconselhamento Legal de Mulheres Zhongze de Pequim, insiste em que, acima de tudo, as mulheres estão em melhor situação do que estavam há três décadas."Elas conhecem muito mais seus direitos", disse ela. "Elas são mais bem educadas. Para as que têm espírito competitivo, existe um mundo de oportunidades aqui agora, quer elas sejam empresárias, cientistas, fazendeiras ou mesmo líderes políticas. Houve realmente mudanças enormes."

Os direitos das mulheres são bem protegidos, ao menos no papel. Em 2005, o governo emendou a referencial Lei de Proteção dos Direitos e Interesses das Mulheres de 1992, conhecida como a Constituição das Mulheres, para fazer da igualdade de gêneros uma política do Estado.

Ele também tornou ilegal, pela primeira vez, o assédio sexual.

A discriminação de gênero é generalizada, contudo. Somente algumas mulheres ousam processar empregadores por práticas de contratação injustas, demissão com base em gravidez ou licença-maternidade, ou assédio sexual, segundo especialistas. Os empregadores geralmente especificam gênero, idade e aparência física em ofertas de emprego.

Em 2008, 67,5% das mulheres chinesas com mais de15 anos estavam empregadas, segundo Yang Juhua do Centro de Estudos de População e Desenvolvimento da China da Universidade de Renmin, citando estatísticas do Banco Mundial.

Houve uma queda em relação aos dados mais recentes do governo chinês, de 2000, mostrando que 71,52% das mulheres de 16 a 54 anos estavam empregadas, ante 82,47% dos homens de 16 a 59 anos. Yang calculou que as mulheres ganham 63,5% menos que os salários dos homens, uma queda em relação a 64,8% em 2000. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK

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